O algodão sustentável da Bahia: um novo protagonista na superação das fibras sintéticas

O algodão sustentável da Bahia: um novo protagonista na superação das fibras sintéticas

As fibras sintéticas, apesar do custo menor, devem perder espaço diante da crescente demanda por sustentabilidade, valorizada por jovens consumidores e impulsionada por agricultores baianos

Foto: Iann Jeliel

Por: Iann Jeliel


Nas últimas quatro décadas, a indústria têxtil mundial passou por uma significativa transformação, com a ascensão das fibras sintéticas, que atualmente dominam cerca de 69% do mercado global, enquanto o algodão caiu para apenas 22%. No Brasil, essa mudança é ainda mais acentuada, com o algodão, que já representou 83% da produção têxtil, agora ocupando entre 49% e 51% do mercado nacional. A redução da participação da fibra se deve, em grande parte, ao baixo custo e à facilidade de manuseio das fibras sintéticas, que oferecem uniformidade e não exigem ajustes nas máquinas.

Entretanto, as preferências dos consumidores estão mudando, especialmente entre as gerações mais jovens que estão se inclinando por produtos sustentáveis e com menor impacto ambiental, mesmo que isso represente um custo mais elevado. As fibras sintéticas, derivadas do petróleo, têm contribuído para a poluição por microplásticos e apresentam dificuldades de reutilização, ao passo que as fibras naturais, em particular o algodão, se destacam por suas características biodegradáveis, hipoalergênicas e por uma infraestrutura de produção que favorece ações sustentáveis.

Essas práticas incluem a certificação de qualidade e conformidade nas atividades agrícolas, o que assegura um menor impacto ambiental no agronegócio. Nesse cenário, a Bahia se destaca, não só como o segundo maior estado produtor de algodão no Brasil (ficando atrás apenas do Mato Grosso, conforme estudos do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do BNB – Etene), responsável por aproximadamente 25% da produção nacional, mas também por sua significativa contribuição à revitalização e promoção do cultivo sustentável.

Com cerca de 345 mil hectares disponíveis, o estado consegue produzir quase duas toneladas por hectare, superando a média global de 785 quilos por hectare. Essa eficiência é impulsionada por práticas como o plantio direto e a rotação de culturas, além de investimentos em tecnologias de irrigação que aumentam a produção sem expandir a área cultivada. Além disso, há um aproveitamento integral da planta, transformando insumos como a pluma e o caroço em produtos de alto valor agregado. Todas essas características vêm consolidando a Bahia como um modelo de sustentabilidade no mercado nacional.

Foto: Reprodução/Abapa

O Algodão Sustentável na Bahia

A Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) tem sido fundamental na promoção de práticas sustentáveis por meio do programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR). Segundo o presidente da Abapa, Luis Carlos Bergamaschi, a base do programa envolve o uso racional e responsável dos recursos naturais. “Quando utilizamos a natureza a nosso favor, respeitando suas necessidades, conseguimos resultados melhores e uma evolução constante na agricultura, garantindo a produtividade”, afirma Bergamaschi.

Através do Proalba, um programa de incentivo fiscal com renúncia de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a Abapa impulsionou o desenvolvimento sustentável da cotonicultura, destacando-se no combate a pragas como o bicudo-do-algodoeiro, apoio a pequenos produtores com kits de irrigação, qualificação de profissionais em parceria com o Sistema S e o Ministério da Agricultura, e pavimentação de 380 km de estradas, melhorando a logística e a infraestrutura regional.

A qualidade do algodão baiano também foi significativamente aprimorada por meio de um investimento de R$ 50 milhões na modernização de laboratórios de análise. Graças a essas melhorias, 86% do algodão produzido atingiu o Índice de Brancura (RD), e 82% da produção foi certificada pela Better Cotton Initiative (BCI), consolidando o Brasil como o maior fornecedor mundial de algodão licenciado.

A certificação do Programa de Qualidade do Algodão Brasileiro, criado pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) em 2016, estabelece rigorosos padrões de conformidade com 201 itens de Verificação Diagnóstico da Propriedade (VDP) e 183 itens de Verificação para Certificação da Propriedade (VCP). Esses critérios incluem a erradicação do trabalho infantil e escravo, além de melhores práticas agrícolas. Auditorias independentes garantem que a conformidade mínima comece em 85% na primeira safra e chegue a 90% na quarta, com amostras inadequadas resultando na perda do certificado, assegurando padrões internacionais de qualidade e transparência.

Na safra 2023/2024, 92 propriedades na Bahia foram certificadas pelo Ministério da Agricultura, cobrindo 90,85% da área plantada no estado, um índice superior à média nacional. A Bahia já havia sido reconhecida em 2020 por suas práticas agrícolas sustentáveis, e dados recentes mostram que a certificação ADL (Análise de Desempenho do Lote) variou entre 91% e 97%, posicionando o estado como líder em adesão ao programa de qualidade do algodão brasileiro.

Foto: Jhenifer Santos


A Rastreabilidade como Diferencial Competitivo

O programa de qualidade da Abrapa também garante a rastreabilidade do algodão produzido na Bahia, utilizando um sistema tecnológico que identifica cada fardo com um código único (SAI, o "CPF do fardo"). Esse código fornece informações sobre a origem do algodão, incluindo produtor, fazenda e unidade de beneficiamento, assegurando que o fardo atenda aos padrões de qualidade. A rastreabilidade abrange toda a cadeia produtiva, permitindo que o consumidor final acesse informações detalhadas por meio de um QR Code nas etiquetas das roupas.

 

Segundo Silmara Ferraresi, Diretora de Relações Institucionais da Abrapa, oferecer rastreabilidade e sustentabilidade não aumenta diretamente os ganhos financeiros, mas proporciona uma vantagem competitiva, dando prioridade aos produtores no mercado. “No longo prazo, com as mudanças no comportamento do consumidor e nas legislações, quem se comprometer com a sustentabilidade terá mais espaço no mercado, enquanto os que não fizerem isso ficarão de fora. Nesse contexto, acredito que o espaço que algodão perdeu para a fibra sintética pode ser revertido. As pessoas estão valorizando mais produtos manuais e únicos, em vez da produção em massa, e essa mudança de postura pode impactar o mercado”, analisa a especialista.

Embora ainda em fase piloto, com cerca de 200 mil peças disponíveis com sistema de rastreamento, Ferraresi prevê o sucesso da estratégia através da parceria com varejistas de renome que lançaram peças e coleções com rastreabilidade total sem elevar o preço final do produto. “A rastreabilidade não aumenta o preço do produto, pois o objetivo é incentivar os consumidores a valorizarem os atributos sustentáveis. Queremos que esses conceitos democratizados, acessíveis a todos, não apenas a uma elite ou a quem pode pagar por produtos exclusivos e desejáveis”, acrescentou.

 
Foto: Reprodução/Abapa

Economia Circular e Consciência da Matéria-Prima

Apesar dos esforços para certificar fazendas e rastrear o algodão, a maioria dos consumidores ainda desconhece a origem das peças. Para resolver isso, a Abapa criou duas iniciativas: o Cotton Brazil, focado no mercado externo, e o Sou de Algodão, voltado ao mercado interno, visando conectar produtores e consumidores de forma mais eficaz.

Silmara Ferraresi explica que o objetivo das campanhas é incentivar as pessoas a valorizarem não só a marca, mas também a matéria-prima, como o algodão. “Embora os consumidores normalmente escolham a peça e a marca, e não o material, eles buscam marcas alinhadas com seus ideais. Por isso, as marcas estão cada vez mais comprometidas com a agenda ESG 2030, adotando práticas de redução de carbono, menor consumo de energia e rastreabilidade da matéria-prima”, explica.

Além disso, Ferraresi destacou que as marcas estão investindo em soluções para reaproveitamento de peças, envolvendo o consumidor no processo. "A indústria têxtil está em economia circular, buscando soluções para o reaproveitamento de peças e engajando o consumidor nesse processo. O impacto ambiental não termina na produção; ele continua no uso da peça ao longo da vida. Ao comprarmos uma peça 100% algodão, ela é totalmente reciclável. Por isso, a história da peça não termina quando ela chega à loja ou à nossa casa – ela continua durante todo o ciclo de uso e descarte", detalha.

Silmara Ferraresi, Diretora de Relações Institucionais da Abrapa 
 Foto: Reprodução/Abapa

Superando as Fibras Sintéticas

Embora as fibras sintéticas ainda dominem o mercado global, o algodão sustentável está promovendo uma mudança de paradigma, onde qualidade, transparência e responsabilidade ambiental se tornam essenciais para a demanda do mercado. No entanto, o preço do algodão, que é cerca do dobro em relação às fibras sintéticas, pode dificultar sua adoção por alguns consumidores e empresas, apesar do crescente interesse por produtos sustentáveis.

Pesquisas indicam que 86% dos brasileiros se interessam por sustentabilidade e 75% acreditam que as empresas devem se comprometer com essa pauta, mas apenas 15% estão dispostos a pagar mais por produtos sustentáveis. Mesmo assim, 60% dos consumidores afirmam que evitam empresas com problemas éticos, demonstrando uma expectativa de responsabilidade ambiental mínima, mesmo com um aumento no custo.

 

O aumento da consciência ecológica entre jovens, como a Geração Z e os millennials engajadas e preocupadas com questões como a origem das peças e as condições de trabalho envolvida, combinado com pressões regulatórias e mudanças nas preferências de moda, pode ser o ponto de inflexão necessário para reverter a perda de participação do algodão nos últimos 40 anos. O futuro do algodão no mercado dependerá de sua capacidade de se manter como uma fibra responsável e sustentável.

Com investimentos em tecnologia, rastreabilidade e sustentabilidade, a Bahia tem o potencial de liderar essa transformação, consolidando o algodão como uma alternativa competitiva e desejada, superando as fibras sintéticas.

Foto: Jhenifer Santos














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