Safra de algodão na Bahia é impulsionada por queda do ‘bicudo’ na última década
Por Thiago Teixeira
Publicada em 18/09/2023 17:50
Com redução de 98% da praga, estado se estabelece como segundo maior produtor de algodão no país
(Lavoura de algodão da Fazenda Santa Isabel, em Luís Eduardo Magalhães - Foto: Denis dos Santos)
A queda dos registros de pragas, como o bicudo-do-algodoeiro, contribui para o aumento da produção de algodão na Bahia. O estado é o segundo maior produtor da cultura no Brasil, representando, sozinha, mais de 312,5 mil hectares (18,73%) dos mais de 1,6 milhão de hectares produzidos na safra 2022/2023, conforme dados da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa). De acordo com entidade, o monitoramento é um dos principais aliados para o enfrentamento de pragas como o inseto, considerado o principal inimigo do cotonicultor.
Na série histórica de monitoramento e combate ao inseto, iniciada pela Abapa em 2013, é possível perceber uma queda de aproximadamente 98% na quantidade de bicudos pegos em armadilhas entre o ano-base e 2022, saindo de uma média de 7,76 para 0,15, indicando assim um aceno para a erradicação da praga. Os dados são do BAS (Bicudo por Armadilha Semana), levantamento feito pelo Programa Fitossanitário da Abapa.
(Tabela com dados do BAS entre 2013 e 2022 disponibilizada pela Abapa - Arte: Equipe Fitossanitário / Abapa)
No entanto, apesar da queda, de acordo com o gerente do Programa Fitossanitário, Antônio Carlos Araújo, assim como no caso do México, o Brasil tem um grande empecilho para erradicar o bicudo: o clima. “Nosso maior problema é o clima tropical que é excelente para a disseminação de pragas. Lá fora, nos Estados Unidos, o bicudo foi erradicado com baterias de controle, mas também tem a questão do clima que é muito frio”, destacou o gerente.
Ele ainda pontuou que, além do clima tropical brasileiro, a falta de tecnologia acaba sendo outro fator que causa dificuldades. “Não temos ainda tecnologia de variedade para o controle do bicudo, mas temos as tecnologias de aplicações, os manejos culturais e legislativos, a conscientização do produtor, além da redução de plantas tigueras de algodão no meio das lavouras proliferando bicudo”, explicou Antônio Carlos.
De acordo com a Abapa, desde 2013, equipes do programa Fitossanitário mantém rodovias e estradas vicinais, que cortam a Bahia, livres de plantas tigueras que nascem quando o grão de uma cultura anterior fica no solo e brota junto com a cultura atual, causando diminuição da produção.
Além disso, o programa - que possui 18 Núcleos Regionais, sendo 15 no Oeste da Bahia e três no Sudoeste - atua no suporte aos agricultores, promovendo o monitoramento intensivo de todas as microrregiões produtoras, nas duas regiões de cultivo da fibra na Bahia.
Nessas incursões semanais são feitos levantamentos sobre infestações de pragas como Pulgão-do-algodoeiro, Helicoverpa Spp, Ácaros, Mosca-branca, Spodoptera e Spodoptera, além do bicudo-do-algodoeiro.
Origem e atuação do bicudo
(Bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) numa maçã de algodão - Foto: Embrapa)
O bicudo-do-algodoeiro é um besouro da família dos curculionídeos, de coloração cinzenta ou castanha e mandíbulas afiadas, utilizadas para perfurar o botão floral e a maçã dos algodoeiros. Após a perfuração, o inseto suga a seiva e, com isso, nascem as lagartas dentro do algodão. Após isso, o algodão não consegue se desenvolver e apodrece.
Os ovos, larvas e pupas se desenvolvem no interior dos botões florais e maçãs. O adulto do bicudo tem comprimento médio de sete milímetros, com variação de três a nove milímetros, e uma largura equivalente a um terço de sua extensão. O ciclo de vida de ovo a adulto é completo em cerca de 20 dias e podem ocorrer de quatro a seis gerações do besouro durante uma safra.
O inseto tem origem na América Central. O seu primeiro registro em solo brasileiro foi em 1983, no Estado de São Paulo. No mesmo ano, também foi encontrado no Nordeste. Agressivo, o bicudo já chegou a obrigar produtores a um gasto extra de US$ 100 a US$ 150 por hectare, para que seja possível o seu controle, de acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
O gerente do Laboratório de Análise de Fibras de Algodão da Abapa, Sérgio Alberto Brentano, destaca que o bicudo é uma praga com uma característica muito parecida com o mosquito da dengue (Aedes aegypti).
“No caso da dengue, se você fizer o seu dever de casa, mas seu vizinho do outro lado do muro não estiver fazendo, você corre o risco de ser infectado pela doença do mesmo jeito. O bicudo é a mesma coisa. Se um produtor cuida muito bem da praga para ela não evoluir a níveis que fiquem difíceis de controlar, mas o vizinho não fizer o mesmo, vai tudo por água abaixo do mesmo jeito”, destacou Sérgio Brentano.
Monitora Oeste
(Aplicativo Monitora Oeste - Foto: Thiago Teixeira)
Na Bahia, atualmente, 48 cidades registraram algum caso de bicudo, de acordo com dados do aplicativo Monitora Oeste, datados de 17 de setembro. O app, lançado em fevereiro de 2022 e disponível para celulares da plataforma Android e IOS, é fruto de uma parceria entre a Abapa com a Embrapa Territorial.
O eficiente recurso tecnológico é utilizado pelos produtores do cerrado da Bahia para denúncias, registros e monitoramento de ocorrências com pragas como a ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi) - voltada à cultura da soja -, Ramularia gossypii e o bicudo-do-algodoeiro.
De acordo com a Abapa, através do Monitora Oeste, o usuário pode fazer consultas a mapas diários das ocorrências das pragas, além de conferir as condições climáticas favoráveis às doenças e ao inseto. As buscas podem ser filtradas por municípios, tipos de áreas de cultivo e núcleos fitossanitários.
Para a ramulária e a ferrugem da soja, o banco de dados do app Monitora Oeste é alimentado por uma rede de informantes composta por pesquisadores, extensionistas e produtores regionais que percorrem os campos baianos de plantações de soja e de algodão durante o período de safra.
No caso do bicudo, os dados são inseridos pelos assistentes técnicos do Programa Fitossanitário da Abapa. As informações do sistema são, instantaneamente, disparadas, em forma de alertas, ao celular do produtor cadastrado, dando-lhe base para a tomada de decisão.
O Grupo Franciosi, por exemplo, é dono de cinco fazendas no Oeste baiano: Fazenda Santana, Santa Isabel, Santo Antônio, São José e Três Irmãos. O engenheiro agrônomo do grupo, João Neto, listou algumas estratégias que as fazendas adotam a partir do uso do ‘Monitora Oeste’. “Na fazenda é feito o monitoramento integrado de pragas desde o ovo. A larva e a lagarta, até o próprio bicudo já em forma de inseto”, destacou o especialista em Gestão Ambiental e Boas Práticas Agrícolas.
E ainda complementou: “são feitas aplicações químicas e biológicas para o controle. Existe o ‘mata-bicudo’ que é um tubo com feromônios que atraem eles. Também tem o vaso sanitário do algodão, que consiste em ficar sem a planta do algodão de 20 de setembro a 20 de novembro, onde o bicudo não encontra alimento, para ter a erradicação dele para a próxima safra”, contou João Neto, demonstrando como ações conjuntas entre ciência e tecnologia permitem o progresso da cotonicultura no Oeste baiano.
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