Sou de algodão: A moda como proposta
de revolução.
Sustentabilidade
e indústria obtendo visibilidade através das passarelas.
Por Anne Hanielly Guedes Gonçalves Muniz
Produção de
Algodão no Oeste da Bahia - Foto: Anne Hanielly
Cotonicultura
A frase “Moda é linguagem instantânea" de Miuccia Prada, (designer-chefe e CEO da Prada - uma das mais conceituadas marcas de moda do mundo), foi levada a sério pela Abapa - Associação Baiana dos Produtores de Algodão. O projeto “Sou de Algodão” da associação leva a produção agropecuária até as passarelas.
Chamada de Cotonicultura o cultivo de algodão, foi muito além do seu uso primário em produtos de higiene e saúde, alcançando até mesmo a cozinha com o óleo vegetal da semente ou as passarelas com os tecidos em seus mais variados níveis e qualidades de algodão. Entretanto podemos ver facilmente o lado social em produtos de saúde como ataduras, ou a utilidade de um óleo de cozinha, mas qual seria o valor social de alcançar as passarelas? Como afirma a Prada a Moda é uma linguagem, e a partir dela pode-se transmitir diversos pensamentos, ideais e propostas.
O movimento “Sou de Algodão” alia sustentabilidade, valorização da produção nacional, oportunidade e inovação. Sendo o algodão um produto 100% utilizado não há perda de produção, a proposta de uso da água da chuva prospera a sustentabilidade, segundo a própria associação 92% da produção é realizada com água da chuva, plantações intituladas sequeiros, o produto é utilizado no movimento que leva a oportunidade para novos designers de moda alcançando diferentes eventos como o “Bahia Feira Fashion" e o “São Paulo Fashion Week”, maior evento de moda da América Latina, mas o caminho para chegar até as passarelas foi longo, e assim há inovação, as produções feitas com algodão autenticados pela Abapa podem ser rastreados trazendo para o corpo moda com consciência.
A Bahia é um
dos responsáveis por essa mudança, sendo o segundo maior produtor, ficando
atrás apenas do Mato Grosso. Entretanto, fica em primeiro lugar no mundo na
produção não irrigável, ou seja, que usa água da chuva para regar as
plantações. A moda é o segundo maior setor que mais consome água em sua
produção, segundo a Moody’s Investors Service, a indústria da moda utiliza 10%
do abastecimento industrial total de água ficando atrás apenas da agricultura,
ainda é citado a necessidade de água para o crescimento e processamento do
algodão, com uma produção sustentável desde a matéria prima graças aos
sequeiros esse gasto pode ser cortado pela metade.
Além disso, de acordo com pesquisa realizada por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV), de Minas Gerais, no Oeste da Bahia, publicada no site da Abapa[1], os sequeiros também diminuem a emissão de carbono, uma das principais metas das grandes nações, apresentado na COP26.
Produção de
Algodão no Oeste da Bahia - Foto: Anne Hanielly
Sustentabilidade
Comparado ao comprometimento de grandes nações em zerar as emissões de carbono até 2050 não é obtido um alcance no interior da Bahia pelos agricultores filiados a Abapa que alcançaram na metade do tempo ofertado padrões de sustentabilidade exigidos para filiação, qual seria a diferença entre esses produtores e as nações em vantagens e investimentos?
Os três pilares do desenvolvimento sustentável são: desenvolvimento econômico, social e proteção ambiental. Segundo a Vice-Presidente da Abapa, Alessandra Zanotto, a principal diferença de alcance dentro desses pilares entre a Abapa e outras empresas está no seu contato direto com as três etapas. “Eles (os três pilares) a visão deles de forma separada, eles conseguem valor de forma realmente separada, o que é, às vezes, difícil para uma outra empresa, outro ramo de negócio, fazer, sabe?” comenta. “Porque a gente tá ligado diretamente ao meio ambiente (...) ligado diretamente ao social, gerando empregos, (...) ligado diretamente ao ao econômico. Então, assim, a gente consegue estar muito presente, muito forte nos três pilares.”, complementa.
Sendo um movimento generalizado o “Sou de Algodão” alcança diferentes escalas de produção e benefícios, não só os mencionados, mas no setor social alcança a educação com programas de instrução, mas para o mundo da moda e o programa o pontapé se deu ao levar estudantes de moda e novos designs ao campo para conhecerem o processo.
“Trouxe esses esses estilistas pro campo (...) Então, e aí depois dá continuidade disso essa parceria aí com os os varejistas (...)” destaca Alessandra. “(...) o mundo hoje clama por sustentabilidade, né? Ele quer cada vez mais saber qual é o impacto das empresas, da economia no meio ambiente, assim, a gente pode agregar valor, contando a nossa história e dizer como realmente as coisas são feitas. O varejista, também (quer) agregar valor ao produto dele, né, então, quando ele percebeu que a gente tinha condição de mostrar o nosso trabalho, colaram no sou de algodão.” conclui.
Quando citam varejistas, a Abapa se liga a empresas que compartilham do seu ideal e abraçam a ideia do movimento, a exemplo na moda a fast fashion Renner é um dos exemplos. Apesar de ser considerada uma fast fashion, termo que designa moda rápida e descartável, o CEO da empresa declara não se ver assim, em 2020 a empresa comprou o Repassa, um site de brechó online, como um dos seus primeiros passos para o movimento de inovação e sustentabilidade na moda.
Os brechós estão se tornando uma tendência desde 2016, tendo um impulso principalmente durante a pandemia como forma de adquirir renda extra, sendo um micro empreendimento, além disso, a moda circular, deve crescer entre 15% e 20% até 2030 no País, como demonstra levantamento do Boston Consulting Group (BCG).
Essas ligações e demonstrações se
enquadram dentro dos pilares do desenvolvimento sustentável e ambas práticas
abraçam o projeto “Sou de algodão” o qual agrega valor às peças, atualmente
comercializadas pela Renner, com um ato que parece simples: QRCode. A partir da
inserção do QRcode nas etiquetas das roupas, o movimento demonstra a trajetória
da matéria prima até se tornar uma peça.
Linhas de algodão apresentação Icofort dos processos da
matéria prima - Foto: Anne Hanielly
MODA
A moda vai além de uma “forma de se vestir” ela se faz através da transformação de matérias primas por costureiros e figurinistas, tornando-se um modo de agir, sendo a predominância em um meio. O algodão é uma matéria prima milenar que fortificou o comércio nacional, sendo o Nordeste pioneiro desde 1750 no seu cultivo comercial.
“Criado e conduzido pela nacional dos produtores de algodão pela ABRAPA e que tem como objetivo principal divulgar o algodão brasileiro, divulgar todo o trabalho que é feito, ou seja, todo o ciclo do algodão, desde o plantio até a colheita, desde o plantio até o beneficiamento e agora com o programa de rastreabilidade que tiveram conhecimento, mostrar o ciclo até o final, ou seja, até de fato esse algodão virar um um produto final, uma roupa, uma toalha, seja o que for.” declara a vice-presidente.
A moda circular de forma diferente, conhecendo o ciclo que seguiu-se até chegar ao corpo, o consumidor final pode escanear através do QRCode na etiqueta e descobrir as etapas de produção realizadas.
Para incentivar o uso do algodão o movimento levou a visibilidade para os holofotes da moda, modificando a imagem das peças de algodão vistas como simples e empobrecidas colocando-as na passarela através de novos e já consagrados estilistas. No primeiro desfile foram selecionados estilistas para apresentar o projeto, com destaque a Alexandre Herchcovitch e Martha Medeiros, isso qualifica que ambos utilizaram no mínimo 70% de algodão nacional nas suas produções. O sucesso da iniciativa levou a mais desfiles onde o estilista João Pimenta lançou sua coleção “100% algodão”.
Essas produções alcançaram diferentes públicos e mentes, enquanto a moda de Martha Medeiros é artesanal e se conecta ao afetivo, João Pimenta demonstra que o algodão pode ser elegante, e que a elegância pode ter conforto.
O algodão em suas vantagens tem como principal característica o conforto e qualidade, diferente do poliéster, material mais consumido e barateado, entretanto mais maléfico ao meio ambiente visto sua origem do petróleo, onde não somente sua produção gera danos como o seu descarte ocupa um agravamento pior na moda, sendo o seu material feito de micro-plásticos que podem parar no oceano e são um dos grandes causadores de prejuízo ao ecossistema.
Quando se pensa em moda não se imagina o produtor rural responsável pela plantação da matéria prima que viria a se transformar em seda, o movimento através do rastreio e da sua campanha dão visibilidade a esse caminho realizado pela peça que alcança as araras das fast fashion, a exemplo da Renner, parceira na produção das peças. A moda fast fashion é feita para quem compra, enquanto o desfile dita tendência as araras de roupa alcançam a massa, diferentes públicos o qual o algodão pode chegar.
Em perspectiva numérica, durante a pandemia, o levantamento realizado pelo Sebrae com dados da Receita Federal de 2020 e 2021, mostrou que mais de 440 milhões de brasileiros abriram um negócio ligado à moda, representando um aumento de 16,5% em relação ao mesmo período de 2018 e 2019. Sendo a cidade de Salvador um dos grandes representantes desse número. Outro ponto importante destacado pela pesquisa: 87% dos empreendedores do setor utilizam do comércio eletrônico.
Em continuidade aos destaques apresentados pela Abapa e pelo projeto, outra realidade que pode ser modificada no setor social é a presença de mulheres, ponto trabalhado pela associação e despercebido no setor, apesar do olhar “feminino” tido menos de 50% das grandes marcas sendo comandadas por mulheres.
Sendo a Bahia um dos principais estados de mão de obra feminina, com destaque para micro empreendedoras que vem movimentando o setor aliar-se a essa produção diminuiria a limitação destacada na pesquisa do Sebrae nas Indústrias de confecção: Articulação precária entre os elos da cadeia produtiva; Pouco abastecimento de matéria-prima para o Estado; O vínculo com o Sul ou a dependência de compra de matéria-prima dessa região faz com que chegue com dias de atraso, impactando na produtividade das indústrias.
Assim,
retomando aos brechós como exemplo simples que vem conquistando a geração Z por
vantagens como preços mais acessíveis e exclusividade junto à causa pelo meio
ambiente e a facilidade de compra on-line, o projeto “Sou de Algodão'' pode vir
a se tornar uma revolução do mundo fashion e uma tendência de pensamento não
somente no mundo das passarelas como de forma globalizada, visto o alcance de
metas e a expectativa com ideais internacionais propostos pela ABRAPA. Sendo
assim, um algodoeiro no interior da Bahia poderá a vir alcançar as passarelas
de Paris e levar com ele não somente a experimentação de uma peça e a sua
história como um ideal de sustentabilidade a muito proposto as nações,
demonstrando a necessidade de observação ao desenvolvimento social e proteção
ambiental para além do desenvolvimento econômico.
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