Raio-x da roupa: Tecnologia Blockchain valoriza moda sustentável no Brasil

 Por: Lívia Santos de Oliveira

 

Camisas feitas com algodão sustentável aquecem o mercado da moda — Foto: Lívia Santos de Oliveira.


O avanço da tecnologia, sobretudo a ascensão e difusão da Internet das Coisas (IoT), está a todo vapor e provando que pode estar nos mais diversos setores para trazer soluções assertivas e inovadoras. Um sistema seguro, ágil e preciso nas informações não é só papo de futuro, mas sim o aqui e agora, através da Blockchain. E é utilizando-se dessa rede que o programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR) transforma a indústria têxtil brasileira. 

A Blockchain, tecnologia base das criptomoedas, é uma cadeia de dados descentralizados e imutáveis, majoritariamente usada para trocas de informações entre computadores de maneira sincronizada e transparente. Ademais, é considerada a maior revolução tecnológica desde a criação da internet, em 1969. No Brasil, diversas entidades e associações já utilizam a rede para controlar e registrar dados, além de realizar rastreamento de informações e atividades. 

E é aí que se encontra o programa SouABR, cuja idealização veio da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), através do movimento Sou de Algodão. O objetivo do programa é estimular o consumo consciente e transparecer a cadeia de produção do algodão das roupas encontradas nas principais varejistas do país. Valendo-se do mecanismo do encadeamento em blocos, SouABR é o primeiro programa de rastreabilidade por Blockchain da indústria têxtil do Brasil. 

“A ideia é mostrar as qualidades que a fibra do algodão tem em relação a sintética. Algodão é uma fibra natural biodegradável e que aqui no Brasil tem sustentabilidade através do programa Algodão Brasileiro Responsável e agora nós estamos também levando para o consumidor, ou seja, para as cidades, como é produzido o algodão brasileiro”, explica Júlio Cézar Busato, Presidente da Abrapa.

 

Sustentabilidade transparente na moda

 

Todas as roupas de algodão responsável recebem etiquetas — Foto: Lívia Santos de Oliveira.


O movimento Sou de Algodão, criado em 2016 para estimular a moda responsável, está por trás de toda a divulgação sobre a qualidade e benefícios da fibra. A peça chave é o Algodão Responsável Brasileiro, implantado em 2012 pela Abrapa para garantir os três pilares de produção: ambiental, social e econômico. O movimento também conta com uma curadoria repleta de dicas e garimpos de influencers parceiros que trazem o algodão como principal material das atuais tendências da moda e parceria com instituições superiores e estudantes da área. 

Assim como os fios das roupas entrelaçam entre si, a Blockchain entrelaçou-se com o agronegócio e operação têxtil por intermédio da SouABR, que provê a certificação socioambiental aos produtores de algodão baseada nas diretrizes da Better Cotton Initiative (BCI), certificadora internacional. O Brasil é o principal fornecedor de algodão sustentável do mundo. 

A ideia é baseada em tornar a origem do algodão uma informação transparente ao consumidor, que conhecerá quem está por trás da confecção da roupa adquirida. Na etiqueta de cada peça de roupa está acoplado um QR Code, que lido através da câmera do celular, mostrará onde foi produzida a fibra, qual produtor responsável, o processo de fiação, malharias e confecção. 

O programa traz um verdadeiro passo a passo do caminho percorrido até chegar ao guarda-roupa do consumidor final. As varejistas pioneiras a adotar a ideia foram a Renner, Reserva e Youcom. A Renner já tem jeans produzidos com o algodão responsável e rastreável. Atualmente, 1026 marcas são parceiras do movimento. Não só isso, mas também tem presença em eventos de moda como a São Paulo Fashion Week e Casa dos Criadores. No total, Sou de Algodão esteve em edições de mais três eventos, como Mega Moda Fashion, Brasil Eco Fashion Week e Brasília Trends.


Calças jeans também são rastreadas por Blockchain — Foto: Lívia Santos de Oliveira.


“Projetos que envolvem essa comunicação entre campo e cidade, permitem com que essas pessoas que não estão aqui na vida do campo, que realmente não tem noção de como essa fibra nasce, que ela é uma planta e se torna tudo isso, dêem mais valor. Largar o industrializado, o poliéster, as outras fibras de lado e a consumirem mais algodão”, afirma Alessandra Zanotto, diretora do grupo Zanotto e vice-presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa). 

A produtora ainda completa que atualmente o mundo requer sustentabilidade, pois há uma cobrança para saber qual as posições e impactos que as empresas têm na economia e no meio ambiente. Usar a Blockchain, que estava escondida até o seu uso nas criptomoedas, contribui para mostrar ao público o trabalho realizado no agronegócio brasileiro e baiano. 

O mecanismo é eficaz, sobretudo, entre os Millennials e a Geração Z. Esta constitui aproximadamente 32% da população mundial e sua decisão de compra depende da confiança e transparência da marca. Um relatório da First Insight, de 2019, apontou que a Geração Z prefere produtos de marcas ecofriendly e sustentáveis. Para conquistá-los, as marcas devem adotar causas socioambientais e realmente praticá-las em toda a cadeia de produção, além de ser claro com os consumidores sobre o processo de confecção do produto e seus materiais.

 

O mar branco do oeste baiano


A Bahia teve 307.000 hectares de plantação de algodão na safra 2021/2022 — Foto: Lívia Santos de Oliveira.


Não é só nas roupas que a tecnologia está inserida, mas também no próprio agronegócio. Aplicativos, máquinas e sistemas trazem o melhor da Agricultura 4.0, também conhecida como Agricultura Digital, para a cotonicultura. O movimento é caracterizado pelo uso de Inteligência Artificial (IoT), Big Data e diversas outras tecnologias que possam beneficiar o produtor ao diminuir desperdício e aumentar a produção.

“Algodão para mim é o futuro do agronegócio. Hoje nós temos tanto a tecnologia digital, quanto a Agricultura 4.0, que está em todas essas máquinas. GPS, imagem de drones, monitoramento via aplicativo. Antigamente era tudo manual, a gente fazia tudo em caderno, caneta, se perdia. Hoje a gente faz todo o mapeamento de área pelo aplicativo. São várias tecnologias que a gente agrega aplicação”, relata Martinho Nascimento Carvalho, gerente de operações do Grupo Ceolin Bahia. 

Segundo o operador, que trabalha na empresa há 14 anos, a técnica de aplicação é imprescindível para que haja menos desperdício e danos ao meio ambiente, além de conseguir calibrar a máquina para que não haja perdas de materiais. “A tecnologia está no agro em geral, aonde você olhar. Desde o escritório até o campo, está embargado em tecnologia”.


A Colhedora de Algodão é o que há de mais avançado na colheita. — Foto: Lívia Santos de Oliveira.


Na Bahia, o palco da produção de algodão é a região oeste, precisamente em Luís Eduardo Magalhães, marcada pela topografia plana do Cerrado que se torna um verdadeiro mar branco antes das colhedoras de algodão entrarem em ação. Na cidade, é possível encontrar o Centro de Análise de Fibras de Algodão da Abapa, pátios de beneficiamento e armazenagem e fábricas de aproveitamento do algodão - do caroço à pluma, tudo se transforma em produto. 

O estado também é o segundo maior produtor de algodão do Brasil, sendo este o segundo maior exportador do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, que já estão no mercado há mais de cinco décadas. E, embora no norte da América já tenha rastreabilidade do algodão, o nível de detalhes não chega a ser o mesmo do praticado aqui no Brasil, onde é possível saber especificamente qual fazenda produziu. Segundo Martinho Carvalho, a principal diferença entre o algodão americano e o brasileiro é que no Brasil, por questões climáticas, não é necessário fazer manejo de irrigação, espera-se o período de chuva, normalmente havendo plantação entre final de novembro e início de dezembro. 

Sérgio Alberto Brentano, gerente do laboratório de qualidade da Abapa em Luís Eduardo Magalhães, enfatiza a crença coletiva de que o Brasil se tornará o primeiro exportador mundial em questão de tempo. “Em termos de qualidade de produto, o nosso produto é tão bom quanto o algodão americano. A gente é um país emergente que está competindo com um país de primeiro mundo. Tem a questão também da desconfiança dos nossos processos. Então, cada vez mais a gente está avançando, os produtores estão avançando e mostrando para o mercado que os nossos processos são corretos, que nós respeitamos todas as legislações ambientais".


A China foi a maior importadora de algodão baiano em 2021. — Foto: Lívia Santos de Oliveira.


Assim, o objetivo da Abrapa e Abapa mostra-se claro e simples: utilizar a tecnologia para impulsionar a moda e o agronegócio, com o objetivo de garantir segurança e credibilidade tanto para o consumidor final, quanto para o mercado internacional. Seja valendo-se de Blockchain para os fardos e roupas ou drones e aplicativos no plantio, a inovação segue em frente para que o Brasil e o algodão seja reconhecido e valorizado.

“A questão é a percepção de valor. A questão não é o quanto eu compro, a questão não é se eu sou consumista. A questão é: qual é o valor que eu atribuo para aquilo que eu compro? O quanto aquilo tem a ver comigo, com os meus valores e com a minha identidade. E o que a gente quer é que o brasileiro se identifique com os valores do que entregamos na nossa matéria prima. A gente quer corresponder aos anseios do consumidor brasileiro. Acho que esse é o ponto chave”, declara Silmara Ferraresi, assessora da presidência Abrapa.






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