‘Melhor forma de combater o bicudo é o
manejo’, aponta coordenador fitossanitário da Abapa
(Foto: Manuela Meneses)
Não é
difícil perder o olhar em meio às grandes lavouras de flores macias e alvas em
fazendas de municípios no oeste baiano. Atualmente, a Bahia é o segundo maior
produtor de algodão do Brasil, ficando atrás somente do Mato Grosso, que detém
cerca de 70% da produção do país. O estado nordestino se destaca pelos altos
índices de produtividade e, para a safra 2021/2022, a expectativa inicial é de
que cerca de 530 mil toneladas de pluma sejam colhidas. Apesar dos números, a
cotonicultura brasileira continua sendo afetada pela principal praga do
algodão, o bicudo-do-algodoeiro.
Estima-se que o bicudo tenha chegado no Brasil por volta de 1983 e, desde então, tem sido uma das maiores preocupações dos agricultores durante o cultivo do algodão. De acordo com Sérgio Brentano, gerente do Centro de Análise de Fibras, da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), ainda não há um método totalmente eficaz contra a praga. “Existem várias [pesquisas que visam acabar com o bicudo], mas ainda não foi descoberto nada efetivo, mas estamos procurando. Ele é o dano econômico maior que se tem na cultura do algodão”, destacou.
Bicudo-do-algodoeiro é uma das principais pragas do algodão. (Foto: Reprodução/Abapa)
Há duas
décadas, a praga dizimou lavouras e quase trouxe o fim da produção de algodão
no nordeste. Apesar de estar presente no país há cerca de 40 anos, o efeito do
bicudo em uma lavoura continua sendo devastador devido, principalmente, a sua
forma reprodutiva. “O bicudo faz a oviposição. Ele põe nas estruturas
reprodutivas, que é o botão floral ou a maçã do algodoeiro, antes da formação
do capulho. E essa alimentação no botão floral ou na maçã no algodoeiro impede
que seja formado um capulho. O bicudo põe até 200 ovos. O ciclo [de vida] do
bicudo, da postura até a eclosão, até a saída do bicudo, é em torno de 21 dias.
O ciclo da lavoura de algodão, hoje, vai em torno de cinco ou seis meses.
Imagine que esse bicudo fazendo essa postura, a cada ciclo de 21 dias uma
lavoura dessa estaria dizimada com certeza em até 100%”, relata Antônio Carlos
Araújo, técnico em agropecuária e engenheiro agrônomo, que coordena o Programa
Fitossanitário da Abapa.
Botão floral ou maçã do
algodoeiro, local onde o bicudo se reproduz. (Foto: Manuela Meneses)
O capulho é o fruto do algodoeiro,
que surge após a maturação do botão floral. (Foto: Manuela Meneses)
Para o
coordenador Antônio Carlos, que trabalha com algodão desde o ano 2000, a
eliminação das plantas que persistem no campo, infestando o local mesmo após o
fim da safra, as chamadas tigueras ou plantas voluntárias; e das soqueiras, que
são os restos do plantio do algodão, são essenciais para evitar a reprodução e
a propagação do bicudo-do-algodoeiro.
“A melhor forma de combater o bicudo é o manejo. O manejo pode ser o cultural (...). O bicudo só se reproduz com a flor do algodão. Ele se alimenta da flor do algodão. Ele se alimenta de outras culturas, mas precisa do pólen do algodão para ele ser reprodutivo. Se você não tem algodão fora da lavoura de algodão (...), com certeza não vai existir a praga”, observa o profissional.
Além de evitar as soqueiras e as tigueras, Antônio ainda alerta sobre a necessidade de se respeitar o período de intervalo entre uma plantação e outra, e de promover rotatividade na lavoura, plantando outras culturas como soja, feijão, abóbora ou melancia, por exemplo. “O bicudo você tem que ter manejo e monitoramento. (...) Mas o fator principal é a rotação da cultura, fazer o vazio sanitário bem feito, que é 60 dias sem plantas de algodão no campo”, ressalta.
Durante o
vazio sanitário, a praga segue para locais úmidos, como a beira de um rio, onde
hiberna preso na vegetação local por cerca de seis meses. Neste período,
chamado de diapause, o bicudo-do-algodoeiro para de se desenvolver
temporariamente, reduzindo sua atividade e poupando energia para retornar à
lavoura quando for retomado o cultivo do algodão. Além desta característica, as
altas temperaturas registradas no estado baiano também contribuem com a
proliferação do pequeno besouro, o qual se dá muito bem com o clima tropical da
Bahia.
Quando uma lavoura é infestada, os cotonicultores recorrem a métodos químicos por não existir nenhum natural até o momento. “Nós aplicamos defensivos agrícolas. Tem um defensivo agrícola (...), se chama malathion. Só que o malathion é o mesmo defensivo agrícola que é usado no fumacê para combater os mosquitos da dengue”, explicou o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Júlio Cézar Busato, durante entrevista coletiva.
Júlio Cézar Busato, presidente da Abrapa. (Foto: Manuela Meneses)
“Eu já ouvi
alguém falar assim ‘Cuidado que se você colocar uma camiseta de algodão, você
vai se envenenar’, é mais fácil você se envenenar com o fumacê matando os
mosquitos do que com uma camiseta que foi aplicada o malathion pelo menos dois
anos antes (...). E ele não é aplicado na pluma, porque a pluma já não tem mais
[o bicudo], é quando está a maçãzinha fechada ainda, porque depois que abrir, o
bicudo não faz mais nada”, salientou Busato.
Programa Fitossanitário da Abapa
A Abapa, fundada no ano 2000 por um grupo de cotonicultores, desenvolve entre os seus projetos o Programa de Monitoramento e Controle do Bicudo e Outras Pragas do Algodoeiro ou, apenas, Programa Fitossanitário, que busca monitorar o avanço de pragas nas plantações do oeste e sudoeste da Bahia. “Temos uma equipe de monitoramento de todas as fazendas de algodão. Nós temos uma equipe com 12 engenheiros agrônomos, eles estão nas fazendas dos cotonicultores associados da Abapa semanalmente, monitorando, repassando a situação de plantio, colheita, manejo de pragas, doenças… repassando para os produtores e gerentes das fazendas para uma possível tomada de decisão”, afirma o coordenador do programa, Antônio Carlos.
“Se tem uma região em que a tendência do bicudo está crescendo, a infestação está aumentando, eles se reúnem e todos daquela região fazem uma batida de boas práticas, com o intuito de fazer com que essa proliferação diminua e caia o índices novamente”, destaca o Sérgio Brentano. “Esse é um trabalho feito constantemente há vários anos. Com isso a gente está conseguindo viver com o bicudo, mantendo a infestação dele sempre em níveis aceitáveis, porque se não controlar e se não tiver cuidado ele se proliferam muito rapidamente e aí ele inviabiliza a cultura do algodão”, acrescenta.
Atuação do Programa
Fitossanitário na destruição de tigueras e dessecação química com produtos
autorizados pelo IBAMA e pela Agência de Defesa Agropecuária da Bahia - ADAB.
(Foto: Reprodução/Abapa)
A defesa fitossanitária das lavouras atua por meio de 18 Núcleos Regionais de Controle, sendo 15 no oeste e três no sudoeste, que contam com a liderança de produtores com capacidade de mobilização e influência nas microrregiões. A Abapa também desenvolve ações como vistorias nas áreas de algodão e campanhas de conscientização contra o bicudo, incentivando o fim das tigueras e a eliminação correta das soqueiras.
Além do
bicudo-do-algodoeiro, outras pragas também podem prejudicar a produção e a
qualidade do algodão. “Temos as lepidópteras, que são as lagartas, que também
afetam, mas em pequenas escala, mas que também se você deixar ela vai ter uma
contribuição dizimar em alguns percentuais essa lavoura. Nós temos também o
pulgão, que se você não tiver um manejo correto ele vai sujar a pluma, vai
deixar sem qualidade. Você tem ácaros que também vai dizimar, perder as folhas…
as lavouras sem folhas não tem operação fotossintética e também não vai
produzir. Porque cada capulho (...), ele tem uma folha que alimenta o capulho,
sem a folha com certeza não vai ter o capulho”, finaliza o coordenador Antônio
Carlos.
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